sexta-feira, 3 de maio de 2013
Sugestão de leitura
O processo sucessório e a transferência de poder e liderança
Ricardo Maltz,ME., Mestre em Administração pela FGV-EBAPE RJ, Consultor e Membro de Conselhos de Administração e Fiscal de Empresas, professor na disciplina Jogos de Empresa do Pós em Administração de Empresas na Fundação Getúlio Vargas, sócio diretor da Legati Consultoria em Gestão Empresarial
Entender o processo sucessório em empresas familiares somente pelos aspectos da lógica da administração sem levar em conta os aspectos afetivos e emocionais que fundamentam e permeiam o universo da família pode se configurar em uma análise insuficiente. No entanto, atentar para os aspectos afetivos e emocionais do universo da família não elide a importância de um planejamento consistente.
Alguns acadêmicos definem sucessão como o processo de transferência de poder e de capital entre a geração que atualmente dirige e a que virá a dirigir. O processo sucessório geralmente é delicado e complexo, e o momento de transferência de poder pode trazer tensão em todo o grupo envolvido: fundador, sucessor, família e empresa.
Em empresas não familiares a transferência de poder (presidência ou superintendência) se dá em períodos aproximados de dez anos, diferentemente das familiares em que a transferência ocorre em períodos aproximados de vinte ou trinta anos, período este correspondente ao ciclo de vida útil do fundador, e se configura em momento crítico e potencialmente de descontinuidade, seja do processo sucessório ou até mesmo da empresa.
Observar alguns importantes procedimentos na ótica da lógica administrativa e de planejamento sucessório podem se tornar facilitadores em tais processos. É importante que o sucessor ou sucessores não se deixe(m) seduzir pelo complexo de herdeiro do reino e atente(m) para a relevância de começar por baixo, o mais próximo possível da operação da empresa; passe(m) por todas as áreas (compra, venda e produção); busque(m) “currículo” com foco em se tornar um generalista; procure(m) trabalhar fora da empresa-mãe por um período mínimo de dois a cinco anos, podendo ser em um grupo profissionalizado nacional ou multinacional; busque(m) o aconselhamento; busque(m) alargar a influência interna dentro da empresa: se um grupo econômico procurar assumir a direção de mais de uma empresa, se uma única empresa procurar assumir a gerência de novos projetos e, por último, busque(m) o conhecimento de forma continuada. Na perspectiva racional, esses procedimentos ajudam a criar
conteúdo no sucessor e contribuem para legitimá-lo aos olhos da organização; aos olhos do sucedido e fundador ajudam a tranquiliza-lo quanto à boa continuidade da empresa.
Ao futuro líder recomenda-se o aprendizado sistemático em conformidade com um código e com um sistema que o prepare primeiramente para a subordinação e posteriormente para a superordenação. Este aprendizado lhe dará a formação do senso de identidade e a capacidade de liderar. Liderar constitui uma dura prova. O novo líder deverá estar em harmonia com o universo de suas convicções ou seus esforços perderão força para convencer e influenciar o grupo. A capacidade de liderar tem em sua essência a capacidade de fazer escolhas.
Ainda sob a ótica da lógica administrativa e de um bom planejamento da sucessão, é recomendável que o fundador transfira o poder enquanto tem força física e capacidade mental, de maneira que seu tempo livre e energia sejam canalizados para novos projetos, ao mesmo tempo em que orienta os que o sucederam.
A complexidade de um processo de sucessão na empresa familiar dá a ele uma característica não linear e não raro é entendida e vivida pelo fundador como o fim de um ciclo, podendo significar a morte em vida, se visto pela ótica de entrega para o filho sucessor do sentido que conseguiu dar para sua vida; se visto pela ótica de patrimônio é a transferência material daquilo que construiu através do trabalho.
Por outro lado, visto pela ótica da conflitiva edípica, sua resolução passa pelo pai sucedido acolher a disputa com o filho sucessor no sentido de contribuir com seu desenvolvimento e acolher o questionamento e transgressão das regras e normas instituídas por ele fundador. Já o filho, na condição daquele que irá suceder, não importando o número de pretendentes, deverá se estabelecer como refundador, e a resolução de sua conflitiva passa por ocupar o espaço do pai-presidente-fundador, alguém muito amado, significando que deverá questionar e transgredir regras, normas e sistema de valores instituídos desde há muito em uma reunião que também envolve fantasias de parricídio, de superação e destruição da figura paterna.
Em um processo dramático e emblemático, a família Kasinski, detentora da fábrica de autopeças “Cofap” e vendida em 1997 para a alemã “Mahle”, sucumbiu à disputa entre o pai e fundador Abraham e seus dois filhos, Renato e Roberto. O caso foi parar nos tribunais com as partes acusando-se mutuamente de sabotagem, de semear a discórdia entre irmãos, de roubo de obras de arte, desfalques na companhia e de não abrir mão do controle da empresa por um profundo apego ao poder. O retrocesso no caso Cofap sugere o não acolhimento da disputa por parte do pai e fundador.
Em lado oposto, um interessante caso de evidente acolhimento da disputa por parte do pai fundador e filho, é o processo sucessório da indústria catarinense “Marisol”, uma das maiores fabricantes de roupas no Brasil. O processo sucessório foi cuidadosamente planejado e orquestrado durante cinco anos. Definido o sucessor (escolha se deu entre os dois filhos e um executivo pertencente aos quadros da organização), era chegada a hora da passagem do bastão.
Tendo em vista o momento ruim de mercado (ano de 2006), concorrência de importados chineses, queda de “Ebitda” e estagnação de faturamento, o fundador Vicente Donini toma a decisão de adiar a sucessão e lança-se em um ambicioso projeto de reestruturação de sua companhia. Com os ajustes finalizados em 2008, chegou o momento de o sucessor assumir e dar continuidade ao projeto do sucedido.
A observação do acolhimento da disputa na empresa “Marisol” se dá pela constatação por parte do pai e fundador, de que a árdua tarefa de promover mudanças estruturais caberia a ele e que poderia ser complicado colocar nos ombros do filho sucessor o peso e responsabilidade por medidas drásticas.
A sucessão e a transferência de poder entre gerações em uma empresa familiar transcendem o campo da lógica administrativa e da racionalidade na medida em que, ao transferir poder, o sucedido não transfere estilo de liderança. Não há como prescrever ou mesmo normatizar o subjetivo. Neste ponto especificamente encontra-se uma das vertentes de tensão no grupo. O grupo conhece as características da liderança que sai e desconhece as características da liderança que entra. Como decorrência, a tensão pode suscitar questionamentos no sucedido quanto às possibilidades de continuidade e sobrevivência de seu empreendimento.
A transferência de poder poderá ser facilitada na medida em que (I) a liderança seja bem exercida pelo sucessor, mitigando os conflitos inerentes ao processo sucessório e contribuindo para a diminuição das tensões originadas no grupo e; (II) o sucessor, ao entender o perfil e características de liderança do sucedido, poderá melhor entender e visualizar o funcionamento da organização enquanto grupo.
Em um interessante artigo chamado “As armadilhas dos paradigmas da liderança”, Ouimet (2002) identifica e aborda de maneira reflexiva quatro paradigmas relacionados à liderança. Entrar em contato com as características que compõe as possíveis diferentes lideranças pode ser um facilitador para um bom encaminhamento de processos de sucessão em empresas familiares e seus envolvidos.
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