UM MOMENTO CRÍTICO NO PROCESSO DE SUCESSÃO.
A transferência de poder e liderança em processos de sucessão em empresas familiares é um importante aspecto que merece atenção de todos envolvidos (sucessor e sucedido) dado sua face crítica e armadilhas que apresenta em seu transcurso. Daí a importância de contextualizar o poder e como se dá seu exercício nas organizações.
Entre as fases iniciais do capitalismo e os dias de hoje, o exercício de poder nas organizações sofreu alterações: do poder baseado no carisma do líder em um extremo, ao exercício do poder do tipo legal, fundamentada na burocratização, em outro extremo. Uma terceira força surge tornando obsoleto um exercício de poder personificado em indivíduos. O controle passou a ser exercido pela existência de regras abstratas que se aplicam a todos.
Não raro ainda empresas familiares são construídas e crescem com base no carisma do fundador que estabelece ao longo de seu ciclo relações e concessões de cunho paternalistas (estabelecidas com seus colaboradores), encorajando as lutas pelo poder no interior de suas organizações.
Líderes e principalmente os carismáticos têm excelentes habilidades em administrar certos símbolos. Alguns possuem uma brilhante habilidade de provocar comportamentos regressivos em seus subordinados, capturando sentimentos inconscientes de necessidade de dependência. Neste caso o grupo pode atribuir ao líder capacidades idealizadas e onipotentes. Quanto ao grupo, este caminha sempre na direção de fundir-se com um objeto idealizado, o líder.
Cabe ao sucessor apreender esta realidade de maneira à bem exercer a tarefa substitutiva do fundador.
No estágio em que a empresa é pequena, o poder encontra-se centrado na figura do fundador e a ele cabem as decisões em sua quase totalidade. Na medida em que a empresa cresce, inicia-se a difusão de poder, fase caracterizada pela formação de quadros de profissionais que dominam habilidades administrativas e que vêm para suprir habilidades não dominadas pelo fundador. Esta fase é marcada pela formação dos primeiros influenciadores e membros do que se pode chamar de coalizão interna, uma fase vista como partilha do poder, o que em nada significa que o poder, no interior da organização, tenha passado para outros agentes e que o empresário, fundador e proprietário tenham sido postos à margem do mesmo.
O poder que encontramos nas organizações está capilarizado em suas diferentes instâncias, transcendem as regras do direito constituído, e seu exercício se dá por meio do uso de diferentes fontes e instrumentos. Processos de sucessão fazem com que o poder seja redistribuído, explicitam as contradições internas na organização e causam desarmonia no sistema. A compreensão pelo sucessor deste ambiente e uma leitura adequada facilitará em muito sua legitimação.
O poder traz intrínsecos à sua posse e exercício recompensas emocionais e materiais. Em um processo de sucessão o sucedido terá obrigatoriamente que abrir mão das recompensas. Ao “passar o bastão do comando” o fundador se depara com o vazio deixado pela transferência do poder, um período crítico para todos os envolvidos, especialmente ao sucedido, momento em que a canalização de sua energia para novos projetos é de muita importância.
O caso do grupo Randon é emblemático neste aspecto. David A Randon, o filho, sucedeu ao pai Raul, o qual deixou a diretoria executiva permanecendo na presidência do conselho. Raul passou a dedicar-se a um ambicioso
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projeto de produção de maçãs e queijo em Vacaria, cidade serrana no Rio Grande do Sul. É hoje um grande produtor de maçãs e um dos poucos, no Brasil, na produção de queijo tipo “grana”.
O sucessor que entra é conhecido para o sucedido, não o é para o grupo no tocante ao papel que irá desempenhar: o de presidente. O uso indevido dos instrumentos de exercício do poder pelo sucessor pode se tornar fator de descontinuidade para a empresa, mais um fantasma a assombrar o fundador. Para o grupo, poderá se tornar um fator gerador de resistência ameaçando igualmente a continuidade da organização e aumentando a tensão gerada. Daí resulta a importância para o sucessor de conhecer em profundidade o formato do poder e a forma como ele se distribui na organização a qual passará a liderar.
Igualmente importante para aquele que sucede, no papel de refundador proponente de transformações, é saber da possibilidade de sofrer resistência por parte de coalizões internas, há muito estabelecidas, que convivem entre si em harmonia (aparente), segurança, coesão e em zona de conforto e que, poderão ver nas proposições transformacionistas, uma possibilidade de ruptura de valores, traduzidos em uma profunda identidade com a organização e com o líder fundador que sai.
Não raro em processos de sucessão sem qualquer regramento entre os paradigmas (da empresa e da família), é possível que os herdeiros confundam propriedade e gestão e na medida em que se envolvem com a gestão, dão vazão às suas aspirações e realizações pessoais utilizando-se do poder de gestão e exercício da dominação.
O sucessor tem a seu favor o tempo, razão pela qual tem a incumbência de ajudar o fundador e patriarca a concluir seu ciclo, não forçando a transferência de poder.
De maneira análoga, a relação que se estabelece entre fundador e empresa podem ser comparadas à relação mãe – filho. Esta é visceral, o filho é gerado dentro da mãe. A empresa é gerada dentro do fundador. A passagem do bastão e a separação daquilo que um dia gerou pode remeter o fundador a reviver as ameaças e ansiedades tipicamente vividas na primeira infância. Não raro, processos de sucessão são abortados pelo fundador, que encontra qualquer justificativa e usa de qualquer meio tendo por objetivo unicamente defender-se destas ameaças e ansiedades ou mesmo do vazio que irá enfrentar.
O mundo exterior percebe a capacidade do fundador e empresário através da empresa. Ela é sua grande obra, razão pela qual atribui á ela uma carga emocional relevante na qual a separação pode tornar-se difícil, assim como pode tornar-se difícil repartir o poder, a autoridade e a responsabilidade.
A oposição ao processo sucessório pode partir daquele que será sucedido tendo como pano de fundo a fantasia do fundador e empresário de intromissão em sua autonomia e dominação, e a sensação de repetição de situações infantis ameaçadoras. A percepção pelo sucessor desse universo de possíveis variáveis comportamentais pode ser a catálise para auxiliar o processo sucessório.
Vencida mais esta etapa, uma fase crítica, e dado sequencia ao processo de sucessão, o critério de consanguinidade nem sempre se traduz na melhor escolha para a sucessão na empresa. Diferentes modelos de sucessão são possíveis, não há um único modelo. Em cada empresa e cada família envolvida, poderão ser observadas as peculiaridades e características que fazem aquela história. Poderá assim advir o melhor ou o possível.
Ricardo Maltz